Declaração do México
Terceiro Encontro Da Sociedade Civil Organizada União Europeia América Latina e Caribe
Cidade do México, 13, 14 E 15 de abril de 2004
Declaração Final
O Terceiro Encontro da Sociedade Civil Organizada União Europeia América Latina e Caraíbas foi organizado pelo Comité Económico e Social Europeu, representante das categorias económicas e sociais da sociedade civil organizada da União Europeia, com o apoio da Comissão Europeia e a colaboração da Secretaria das Relações Externas do México. Este encontro reuniu representantes da sociedade civil de todos os países da América Latina e das Caraíbas, bem como representantes das seguintes entidades regionais: Fórum Consultivo Económico e Social do Mercosul, Comité Consultivo do Sistema de Integração da América Central e Conselhos Consultivos dos Trabalhadores e dos Empresários da Comunidade Andina.
Os representantes da sociedade civil organizada da União Europeia e dos países da América Latina e das Caraíbas adoptaram, no seu Terceiro Encontro, a declaração infra, que se destina à Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo a realizar em 28 e 29 de Maio, em Guadalajara (México).
Declaração do México
Síntese:
I. Pelo aprofundamento da associação União Europeia América Latina e Caraíbas:
O reforço das relações entre a União Europeia e a América Latina e as Caraíbas é um elemento estratégico para o desenvolvimento de ambas as regiões e para a consecução de uma ordem internacional mais equilibrada. Para tal, deveria constituir-se:
1. uma associação baseada, numa primeira fase, numa rede de acordos entre a UE e as diferentes associações regionais e países da ALC, com o objectivo de alcançar um acordo global de associação entre as duas regiões;
2. uma alta componente de dimensão económica, social, laboral, política e cultural, bem como a promoção, o fortalecimento e a participação da sociedade civil organizada nos acordos entre a UE e a ALC;
3. uma nova governação mundial baseada na concertação das nações e no respeito pelo direito internacional e pelos compromissos a favor dos equilíbrios ecológicos e sociais do planeta.
II. Pela criação de uma Agenda em favor da coesão social:
A desigualdade e a pobreza representam uma ameaça potencial para a democracia, a paz e o desenvolvimento económico. Apelamos a uma mobilização urgente, por parte dos governos e da comunidade internacional, no sentido de se adoptar uma Agenda em favor da coesão social, em cuja formulação, desenvolvimento e execução a sociedade civil organizada tenha um papel de destaque.
Por seu lado, os representantes da sociedade civil da ALC comprometem-se a impulsionar o seu próprio Programa de Acção em prol da coesão social, solicitando os meios materiais e logísticos necessários à sua execução.
Para se alcançar uma maior coesão social, importa favorecer:
a. um crescimento e um desenvolvimento económicos sustentáveis, num contexto de integração regional, que tenham por objectivo prioritário a redução da pobreza e das desigualdades;
b. a credibilidade das instituições públicas, que lhes permita criar um quadro coerente que impulsione o desenvolvimento económico e a coesão social;
c. acções prioritárias em favor dos sectores sociais mais vulneráveis;
36. iniciativas para a redução da dívida externa, vinculadas prioritariamente à coesão social e à redução da pobreza;
d. políticas que diminuam as desigualdades através da melhoria da educação, da saúde, da protecção social, do acesso aos serviços básicos e da luta contra a discriminação;
e. uma abertura substancial, equilibrada e recíproca dos mercados;
f. um mercado de trabalho estruturado, com trabalho digno e com mecanismos institucionalizados que favoreçam as negociações entre os interlocutores sociais;
g. a identificação e o compromisso de toda a sociedade com a agenda que se venha a estabelecer em prol da coesão social;
h. o fortalecimento do papel das instituições públicas no combate à corrupção;
i. o apoio da União Europeia e da comunidade internacional e a coerência das relações económicas e comerciais com tal objectivo.
III. Pelo reforço do papel da sociedade civil organizada:
É necessária uma maior articulação da sociedade civil, para a qual é imprescindível:
a. o reconhecimento por parte dos poderes públicos do papel que ela desempenha na governação dos processos de integração e na consecução de uma maior coesão social;
b. a criação e o reforço de instâncias estruturadas de diálogo a nível nacional e regional;
c. o reforço, nos programas de cooperação, de medidas orientadas especificamente para o fortalecimento das organizações que integram a sociedade civil organizada, tendo em vista o seu desenvolvimento;
d. a criação e a promoção de redes entre organizações dos mesmos sectores socioprofissionais da UE e da ALC.
Os participantes:
1. entendem que o reforço das relações entre a União Europeia e a América Latina e Caraíbas é um elemento estratégico para o desenvolvimento de ambas as regiões e para o estabelecimento de uma ordem internacional mais equilibrada e preconizam o estabelecimento de uma associação assente, inicialmente, num conjunto de acordos entre a União Europeia (UE) e as diferentes associações regionais e nações da América Latina e das Caraíbas (ALC);
2. instam a que se concluam nos próximos meses as negociações para a celebração de um Acordo de Associação entre a UE e o Mercosul e que este acordo, para além de uma abordagem equilibrada dos aspectos comerciais, inclua uma dimensão política, social, laboral e cultural; solicitam a promoção de idênticas negociações entre a UE e a Comunidade Andina, por um lado, e entre a UE e a América Central, por outro. Solicitam ainda que, no quadro do Acordo de Cotonou, se lancem, sem tardar, as negociações sobre os acordos de associação económica entre a União Europeia e os países das Caraíbas;
3. solicitam que os acordos a celebrar com a UE incluam também uma importante componente de dimensão social, bem como a promoção e o reforço das organizações sociais e dos órgãos de participação e consulta da sociedade civil organizada;
4. consideram que a associação UE-ALC se reveste de primordial importância num contexto em que se expressam dois pontos de vista diferentes sobre a mundialização. A aliança estratégica entre a UE e a ALC poderia contribuir de modo muito positivo para incentivar o multilateralismo, em especial no plano político, e promover um desenvolvimento sustentável assente nos pilares económico, social e ambiental;
5. consideram indispensável que se atribua um papel importante à sociedade civil nas relações UE-ALC. Neste contexto, congratulam-se com o facto de, após os Encontros do Rio de Janeiro e de Madrid, este Terceiro Encontro ter contado pela primeira vez com a presença de todos os conselhos consultivos das diversas regiões. Solicitam que tanto os acordos em curso de negociação como os que vierem a ser celebrados mencionem explicitamente a participação efectiva da sociedade civil. Reafirmam a determinação em incentivar as relações recíprocas entre os órgãos consultivos regionais da ALC, bem como as relações entre o CESE e os referidos organismos.
Por uma Agenda favorável à coesão social
6. exprimem profunda preocupação pela situação de pobreza e desigualdade e os défices profundos de coesão social que se registam nas sociedades da América Latina e Caraíbas e que afectam, em primeiro lugar, a vida quotidiana dos latino-americanos e caribenhos;
7. manifestam preocupação pelo facto de a situação de desigualdade e pobreza representar uma ameaça potencial à democracia, à paz e ao desenvolvimento económico;
8. apelam à mobilização prioritária e urgente dos seus governos e da comunidade internacional a favor da coesão social na América Latina e nas Caraíbas e solicitam que tal se materialize numa agenda propícia à coesão social, que deve contar com a participação da sociedade civil organizada;
9. confiam em que a UE desempenhe um papel determinante nessa mobilização internacional a favor da coesão social na América Latina e Caraíbas;
10. manifestam a sua satisfação pelo facto de os representantes da sociedade civil organizada da América Latina, com o apoio do Comité Económico e Social Europeu (CESE), enquanto representante institucional da sociedade civil organizada europeia se comprometerem a impulsionar o seu próprio programa de acção a favor da coesão social na América Latina e Caraíbas. Neste sentido, solicitam que lhes sejam facultados os meios materiais e logísticos necessários à concretização de tal programa;
Promover o crescimento e o desenvolvimento económicos num contexto de integração regional
11. consideram que, para reforçar substancialmente a coesão social na ALC, é necessário um crescimento e um desenvolvimento económicos que tenham por objectivo eliminar as desigualdades sociais;
12. instam a que se acelerem e aprofundem os processos de integração económica regional na América Latina e Caraíbas a fim de tornar possível o desenvolvimento económico, integrado e articulado, que tenha em consideração as assimetrias nacionais e regionais, sobretudo favorecendo as políticas económicas eficientes e eficazes e medidas que atraiam o investimento estrangeiro. Estes processos de integração na ALC não devem cingir-se apenas a aspectos económicos; têm também que promover a convergência entre países e no seu interior. Os participantes apoiam, por outro lado, as negociações entre processos de integração regionais;
13. sublinham que, apesar da geração de riqueza, as economias latino-americanas e caribenhas apresentam fragilidades em relação ao exterior devido à sua grande dependência dos fluxos externos e à falta de diversificação das suas economias. Destacam o peso esmagador do serviço da dívida, que obsta à aplicação de uma verdadeira política de desenvolvimento económico;
14. solicitam que, nos acordos comerciais de integração, se verifique uma abertura substancial, equilibrada e recíproca dos mercados;
15. sugerem que se lancem bases para um plano internacional de redução da pobreza, que inclua estratégias ao nível nacional, à semelhança do que alguns países da região já levaram a cabo. Tais programas deveriam, por um lado, ter ampla aceitação das populações e, por outro, ser elaborados, acompanhados e avaliados em estreita concertação com os representantes da sociedade civil. Deveriam também beneficiar de apoio financeiro e de assistência técnica da comunidade internacional e mormente da União Europeia;
16. verificam que o baixo nível de investimentos, a ausência de condições para aforro e, de forma geral, a falta de recursos financeiros constituem um forte obstáculo ao desenvolvimento da actividade económica. Por isso, recomendam que se favoreça o aforro, se criem condições adequadas para o investimento e se concedam micro-empréstimos para apoiar as pequenas empresas, os trabalhadores por conta própria e as empresas de economia social;
Instituições públicas ao serviço do crescimento e do desenvolvimento económicos e da coesão social
20. consideram que, para conciliar crescimento e desenvolvimento económicos com sociedades mais coesas, é absolutamente necessário aprofundar e melhorar a institucionalização dos países da região. A qualidade do quadro institucional e a eficácia e a transparência da administração, do sistema de justiça e dos mecanismos de governo são factores imprescindíveis desta estratégia. O capítulo institucional é, pois, um requisito fundamental para que as medidas de política macro e micro-económicas possam levar o crescimento e o desenvolvimento a beneficiar os estratos mais desfavorecidos da população;
21. concordam em que, para se alcançar um crescimento e um desenvolvimento económicos integrais, é necessário um maior equilíbrio entre as dimensões económica e social. Neste sentido, importa aplicar políticas que favoreçam a equidade social e o emprego de qualidade e estabelecer mecanismos institucionalizados que favoreçam as negociações entre os interlocutores sociais;
22. constatam que, em alguns países, os sistemas fiscais não servem os objectivos de desenvolvimento económico e de justiça social. Salientam que a corrupção e a ilegalidade institucionalizada rompem os vínculos éticos, normativos e comunitários essenciais à convivência social e que, para os reatar, é imprescindível agir ao nível da educação, da vigência plena do Estado de direito e da eficácia da lei;
Prioridade para as acções em prol dos mais vulneráveis
23. solicitam acções a favor das categorias da população mais vulneráveis, como as mulheres, as crianças, os jovens, os idosos, as pessoas com deficiência, as populações indígenas e, em alguns países, outras populações similares. Pedem que a União Europeia apoie estas actividades, algumas delas inovadoras e de grande impacto social, promovendo, nomeadamente, as capacidades empreendedoras. A acção em prol dos direitos humanos deverá igualmente ser uma acção prioritária dos poderes públicos e da sociedade civil organizada;
Reduzir as desigualdades mercê de políticas que promovam a educação, o acesso aos serviços básicos e à saúde e o combate às discriminações
24. vincam a necessidade de políticas que garantam o acesso aos serviços básicos, especialmente em matéria de educação, saúde, protecção contra a violência e acesso à justiça;
25. solicitam igualmente que seja concedida prioridade à instauração de sistemas de protecção social, caracterizados pela sustentabilidade, pela garantia de condições dignas de reforma aos beneficiários e pela universalização da cobertura;
Estruturar o mercado de trabalho
26. registam com preocupação a forte tendência para a chamada "informalização" do emprego e a precarização do trabalho na ALC. Em alguns casos, tal deve-se ao não cumprimento das normas vigentes e à falta de controlo por parte dos governos;
27. sublinham que as relações de trabalho testemunham, consoante os países, de um reconhecimento e uma aplicação desiguais dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Apelam à promoção do trabalho digno e assente nos princípios e direitos fundamentais do trabalho reconhecidos na Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1998, bem como à aplicação dos pertinentes instrumentos regulamentares vigentes nos diferentes países da ALC;
28. sublinham a necessidade de intensificar o diálogo social. A este propósito, regozijam-se com o lançamento do projecto sobre a dimensão socioprofissional do Mercosul encetado pelo Comité Económico e Social Europeu e o Fórum Consultivo Económico e Social do Mercosul. Solicitam que se aja do mesmo modo no âmbito da Comunidade Andina, América Central, Caraíbas, México e Chile;
29 reconhecem, em sintonia com a Recomendação 193 da OIT e com a Comunicação da Comissão Europeia sobre a promoção das cooperativas, o papel das cooperativas e demais empresas da economia social no desenvolvimento integral dos seus países. Neste contexto, instam as correspondentes organizações da União Europeia e dos países da América Latina e Caraíbas a trocarem experiências e levarem à prática programas de cooperação;
30 entendem que as empresas multinacionais, mormente as europeias, deveriam, para além das normas estabelecidas nos países da ALC, ter um papel importante na promoção dos direitos laborais e ambientais, através de iniciativas voluntárias de responsabilidade social;
31. propõem aos empregadores de todo o tipo, aos sindicatos e aos governos da América Latina e das Caraíbas que se empenhem em acções concretas com vista à coesão social e laboral. Neste sentido, deveriam reger-se pelas orientações das Nações Unidas e da OIT sobre o trabalho digno, promover as capacidades de trabalho, proporcionando habilitações e competências a quem não as tenha, desenvolver políticas de igualdade entre os sexos, erradicar o trabalho infantil, zelar pelo respeito da legislação laboral e fomentar a cultura da segurança no local de trabalho, como outras iniciativas destinadas a melhorar a qualidade de vida das pessoas;
Associar a sociedade civil à coesão social
32 consideram que, para conferir profundidade e dimensão a longo prazo às políticas de coesão social, é necessário que a sociedade se identifique com as mesmas. Para tal, as organizações da sociedade civil (empregadores, sindicatos, organizações de economia social e demais organizações que visam a coesão social) e os órgãos de poder públicos deverão promover a informação, o debate e a participação dos cidadãos na definição e desenvolvimento das referidas políticas;
33. acolhem com satisfação as iniciativas lançadas para reduzir a dívida dos países mais endividados por exemplo, a conversão da dívida em investimentos e solicitam que sejam tomadas idênticas medidas a favor da maior parte dos países não incluídos nesta categoria;
Beneficiar do apoio da União Europeia e da comunidade internacional
34. recomendam que as instituições financeiras internacionais e demais prestadores de assistência financeira e técnica, para além das auditorias financeiras, utilizem sempre indicadores sociais no acompanhamento e na avaliação das acções que desenvolvem;
35. reconhecem que as iniciativas de cooperação, de partilha de experiências e de competência técnica entre a UE e a ALC, em matéria de elaboração e aplicação das políticas sociais, contribuem para a coesão social. Ao mesmo tempo, registam com satisfação o apoio da UE ao fortalecimento institucional do processo de integração. Solicitam que esta acção seja prosseguida e alargada e se torne mais eficaz, tendo em conta que, embora a UE seja o principal dador de ajuda internacional à ALC, nos últimos anos o montante dessa ajuda tem decrescido. Solicitam igualmente que esta acção se realize através de uma melhor coordenação entre a Comissão Europeia e os Estados-Membros. Apoiam, por outro lado, a proposta do Parlamento Europeu que tem em vista criar um fundo de solidariedade bi-regional;
Reforçar as instituições da sociedade civil
36. assinalam que é necessária uma maior articulação da sociedade civil; para tal, é imprescindível que os órgãos de poder públicos reconheçam e promovam o papel preponderante da mesma na consecução da coesão social;
37. entendem que o reforço das organizações económicas e sociais representativas é condição essencial para que se instaure um diálogo social e civil frutuoso. Nesta ordem de ideias, solicitam o reforço dos programas de cooperação para permitir o desenvolvimento dessas organizações e a criação de redes entre organizações da UE e da ALC de uma mesma categoria socioprofissional;
38. propõem a criação de instâncias estruturadas de diálogo a nível nacional e regional e manifestam a sua total disponibilidade para se empenharem a fundo no processo de fortalecimento dessas estruturas. A este propósito, solicitam o apoio do Comité Económico e Social Europeu no que toca à transferência de experiências e de diálogo, bem como à ajuda financeira da União Europeia para reforçar as capacidades institucionais. Por seu lado, as instâncias de participação da sociedade civil organizada da ALC comprometem-se a apresentar relatórios periódicos sobre as iniciativas que hajam tomado na região e nos respectivos países para promover o diálogo na sociedade civil.
|