Carta da Coordenadora aos Presidentes da região
Carta da Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul aos Presidentes , quando da aprovação do Protocolo de Ouro Preto
Excelentíssimo Senhor Presidente da República Argentina,
Senhor Carlos Meném
Excelentíssimo Senhor Presidente da República Federativa do Brasil,
Senhor Itamar Franco
Excelentíssimo Senhor Presidente da República do Paraguai
Senhor Juan Carlos Wasmosy
Excelentíssimo Senhor Presidente da República Oriental do Uruguai
Senhor Luis Alberto Lacalle
Excelentíssimos Senhores Presidentes
As Centrais Sindicais dos países do MERCOSUL, integrantes da Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul, CCSCS, com apoio da CIOSL/ORIT, vêm à presença de Vossas Excelências para apresentar sua avaliação sobre os impactos sociais que poderão intensificar-se mais no próximo período, em decorrência dos acordos que se firmaram para a implementação da União Aduaneira do MERCOSUL.
Assim como fizemos na primeira fase do processo de integração e em outras importantes reuniões do Conselho Mercado Comum - CMC, queremos apresentar propostas que contribuam para que o MERCOSUL seja efetivamente um instrumento de desenvolvimento econômico e social e de fortalecimento da democracia em nosso continente.
Um balanço necessário ao finalizar o período de transição
Para a América Latina, a década de 80 intensificou a internacionalização de nossas economias, trazendo como uma das principais consequências a restruturação do modelo produtivo e a aplicação de medidas de "ajuste" liberal-conservadoras, sobre um cenário bastante recessivo. O empobrecimento de grandes parcelas da sociedade foi sem dúvida a marca do período, promovendo uma concentração de renda em níveis absolutamente inaceitáveis.
Hoje existem na economia internacional tendências históricas fortes que impelem as economias no sentido da formação de blocos regionais. A criação do MERCOSUL foi uma resposta a essa tendência. A estratégia de construção do mesmo esteve alicerçada na adoção de um cronograma inflexível, multisetorial e automático de redução tarifária que priorizou a liberalização comercial sem assegurar um avanço paralelo em temas como a coordenação de políticas macro-econômicas e setoriais, bem como as grandes diferenças estruturais entre os quatro países. Essa política provocou o aprofundamento de desequilíbrios e tensões entre nações e regiões e os acordos realizados exigirão que, nos próximos cinco anos, sejam feitos novos ajustes tarifários sem a adoção de medidas que permitam maior equilíbrio, desconsiderando-se os setores e regiões que serão mais afetados.
Os principais objetivos previstos no Tratado de Assunção - criação de um mercado comum, harmonização de políticas e políticas macro-económicas regionais - foram deixados de lado frente às dificuldades que surgiram na negociação das bases da União Aduaneira (Tarifa Externa Comum e Critério de Origem). As definições tomadas a partir da reunião de Buenos Aires, em agosto passado, reafirmaram a decisão de construção do mercado comum para daqui a dez anos, mas para que isso efetivamente se cumpra será necessário a renovação de seu compromisso político e o estabelecimento de medidas concretas para esse percurso.
A integração regional tem sido uma antiga aspiração das centrais sindicais e dos movimentos populares, para quem esse processo deve transcender os temas econômicos e muito mais os comerciais. As metas que defendemos são a conformação de uma área econômica, social e cultural entre os países do MERCOSUL e, futuramente de toda a América Latina, que fortaleça suas negociações com outros blocos econômicos e promova sua inserção na economia internacional a partir das realidades e necessidades locais.
O "Pacto para o desenvolvimento e a prosperidade, democracia, livre comércio e desenvolvimento sustentado nas Américas" aprovado pela Cúpula das Américas em Miami em 11 de dezembro último, apesar de fazer referências à uma série de necessidades sociais de nossos países, não propõe medidas concretas que garantam de fato um "desenvolvimento sustentado".
Uma das principais decisões foi o compromisso de realização da liberalização comercial num prazo de no mínimo l0 anos (até 2005). Fica como preocupação em que medida este processo irá se compatibilizar com a continuidade do MERCOSUL e quais serão os efeitos deste acordo para a região.
Como já afirmamos anteriormente, o MERCOSUL poderá ser um passo na conformação de uma área econômica, social e cultural, na em medida que efetivamente se concretize o objetivo estabelecido no Tratado de Assunção, de "avançar no processo de desenvolvimento com justiça social".
As questões sociais: um déficit do MERCOSUL
Em seu primeiro pronunciamento público dirigido aos Ministros do Trabalho do MERCOSUL, na cidade de Foz do Iguaçu, em dezembro de l991, as Centrais Sindicais do MERCOSUL afirmaram: "o compromisso sindical com a integração existe, com a condição de que ela seja real, no sentido de que se garanta uma proteção social, política e cultural e que a transformação da estrutura produtiva não se desenvolva em prejuízo dos trabalhadores e do conjunto dos setores populares" ... "Neste sentido, os compromissos democráticos de nossos governos exigem uma clara opção pela promoção de instrumentos de participação social de nossos povos".
Mas as decisões que serão homologadas por Vossas Excelências praticamente não contemplam esses temas tão relevantes, como a questão social e trabalhista e a ampliação do conteúdo democrático do processo.
Nossos países conformam um mercado de trabalho de quase 90 milhões de pessoas que em consequência das políticas de "ajuste" e da forte restruturação produtiva apresentam uma precarização crescente. Cerca de 1/3 do total de empregos assalariados no MERCOSUL são irregulares e não regulamentados, havendo estimativas que no Paraguai mais da metade da população ocupada esteja nessas condições.
Os quatro países apresentam taxas altas de desemprego - cerca de 10% no Brasil, Uruguai e Paraguai e de 12% na Argentina. Promove-se uma flexibilizado de direitos enquanto os salários têm sistematicamente perdido seu poder aquisitivo e a remuneração mínima não é suficiente para cobrir a cesta básica alimentar nos quatro países.
As Centrais Sindicais do MERCOSUL firmam sua posição de que a circulação de trabalhadores na região é bem anterior à criação do MERCOSUL e que a mesma, junto com a omissão do controle sobre o cumprimento das leis nacionais, tem originado um conjunto de problemas que exigem um tratamento urgente, pelo qual seu adiamento é inaceitável.
Os acordos tarifários e comerciais provocarão uma nova onda de restruturação que será agravada pela recusa de criação de mecanismos de apoio e financiamento, como o Fundo de Apoio à Reconverso e Requalificação Profissional que propusemos. Essa negativa, a nosso ver, reflete a opção de deixar que o mercado defina o grau de especialização comercial e produtiva de cada país, elevando assim os custos sociais desse processo.
Desta forma a decisão sobre a industrialização dependerá cada vez mais das estratégias das empresas transnacionais, para onde se transfere a competição que antes se realizava entre os países, afetando também a regulação das relações sociais, que passam a ser usadas como um dos fatores de competitividade, através da prática do dumping social .
O Subgrupo de Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social, tem se caracterizado pela análise técnica e a elaboração de estudos comparativos. Esta instância que as Centrais tanto valorizam, pode, apesar destas limitações, avançar na elaboração de uma lista de convênios internacionais da OIT, para serem ratificados pelos quatro países, assim como o acordo de um protocolo de seguridade social quadripartite. O tratamento da Carta de Direitos Fundamentais não pode se desenvolver plenamente apesar da existência de documentos e contribuições como o apresentado por nossas Centrais.
Por um MERCOSUL com desenvolvimento social e democracia
As propostas dos trabalhadores
O MERCOSUL irá iniciar uma nova etapa em janeiro de 1995. As Centrais Sindicais a partir da análise do período passado, formulam as seguintes propostas:
1. Atender os problemas trabalhistas e sociais. A discussão e posterior adoção de uma Carta de Direitos Fundamentais pode e deve ser retomada imediatamente a partir das propostas e dos debates já desenvolvidos no Subgrupo nº 11. De igual maneira existe um conjunto de temas pendentes neste Subgrupo que pode e deve continuar sendo tratado.
Mas além da Carta de Direitos Fundamentais, as centrais sindicais têm reivindicado a adoção de algumas medidas imediatas: o estabelecimento de um acordo regional com normas básicas de saúde e segurança no trabalho; a regulação de mecanismos que permitam negociações regionais (em nível de empresa e setor); comissões de empresa multinacionais e direito de organização e afiliação sindical; a realização de diagnósticos setoriais dos efeitos da integração sobre o emprego e a qualificação profissional, propondo uma articulação desses temas com as definições de políticas de apoio à reconverso produtiva e o estabelecimento de canais permanentes de negociação dos acordos e políticas setoriais.
2. Hierarquizar os problemas dos setores produtivos. Assim como a Comissão de Comércio, recém criada, acompanha os temas comerciais, deve hierarquizar-se também o tratamento dos problemas agrícolas, industriais e de serviços. A modernização e tecnificaçåo destes setores no marco de uma crescente complementariedade regional, é fundamental para garantir o crescimento econômico, a manutenção dos postos de trabalho e a melhoria dos níveis de renda.
3. Contemplar as necessidades das nações e regiões de menor desenvolvimento relativo. Como foi assinalado, muitos dos desequilíbrios do MERCOSUL tem sua origem na desigualdade do desenvolvimento econômico e social existente dentro dos setores econômicos, entre as regiões assim como entre as nações consideradas globalmente.
Um processo de integração deveria promover o desenvolvimento harmônico de todos os países membros, o qual implicaria prestar uma especial atenção às regiões de menor desenvolvimento relativo. Nesse sentido, consideramos imprescindível, a constituição de um Fundo de Apoio à Reconverso e Requalificação Profissional.
4. A nova institucionalidade do MERCOSUL. As novas instituições do MERCOSUL devem possibilitar o tratamento desses temas assim como garantir uma maior democratização do processo. Nesse sentido, propomos:
a) a constituição de um Fórum Econômico e Social, com a participação de trabalhadores e empresários, aberto, no futuro, a outros setores organizados e representativos da sociedade, como instância de consulta obrigatória, com iniciativa e capacidade de proposta e acesso a uma informação rápida e oportuna das decisões dos órgãos do MERCOSUL;
b) entendemos que é fundamental a constituição, na estrutura executiva do MERCOSUL e com a mesma hierarquia da Comissão de Comércio, de outras duas comissões: a de "Políticas Produtivas e Mercado de Trabalho" e a de "Assuntos Sociais, Regionais e Meio-Ambiente". A primeira, deverá se ocupar dos temas vinculados à reconverso, promoção e complementariedade produtiva, dos temas trabalhistas relacionados a esses processos, assim como os desequilíbrios regionais. A segunda comissão terá como objetivo o tratamento de temas como saúde, educação, cultura, família, direitos humanos e meio-ambiente;
c) fortalecer a Comissão Parlamentar Conjunta. Muitas resoluções do MERCOSUL requerem ratificação parlamentar dos Estados Membros. É necessário reforçar os vínculos dos organismos do MERCOSUL com os Parlamentos nacionais, os quais, simultaneamente permitiria um maior envolvimento dos poderes legislativos no processo;
d) melhoria dos aspectos jurisdicionais. É imprescindível avançar na definição de instâncias jurisdicionais do MERCOSUL como forma de ter instrumentos para a solução de possíveis controvérsias e obter a interpretação uniforme e o controle da legalidade das decisões adotadas.
Por isso Senhores Presidentes, neste momento em que se tomam decisões tão importantes para o nosso futuro, não podemos desconhecer que novos elementos se agregam e que esses definirão o futuro do processo de integração não apenas no Cone Sul, mas em toda a América Latina.
Neste documento apresentamos propostas para o MERCOSUL. As mesmas devem ser parte de um modelo de desenvolvimento nacional, que implique a adoção de políticas ativas de reconversão produtiva e atenda às necessidades da população.
A participação do conjunto da sociedade neste processo é também uma forma de aprofundar e fortalecer a democracia.
Estas foram as principais decisões da Conferência Sindical MERCOSUL, realizada em São Paulo, no dia de ontem, onde conjuntamente com companheiros de outras organizações sindicais do continente americano reafirmamos nosso compromisso pela democracia e o desenvolvimento social.
Ouro Preto, 17 de dezembro de l994
Francisco Gutierrez
CGT - Argentina |
Luis Antonio de Medeiros
Força Sindical - Brasil |
Vicente Paulo da Silva
CUT - Brasil |
Alan Flores
CUT - Paraguay |
Antonio Francisco
CGT - Brasil |
Eduardo Fernandez
PIT-CNT - Uruguay |
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