10/06/2006 -
Trabalhadores eram explorados em usina de cana
RUBIATABA (GO) - Todos os 94 trabalhadores rurais de Rubiataba, no interior de Goiás, que queriam voltar para casa já embarcaram de volta ao Maranhão. Após denúncias de trabalho escravo, fiscais da Delegacia Regional do Trabalho e do Ministério Público foram à cidade avaliar as condições de trabalho dos cortadores de cana da Agro Rubim, empresa pertencente à Cooperativa Cooper Rubi.
Ao todo, 700 homens trabalham cortando cana para a empresa. Parte deles chegou na cidade em abril, atraídos por uma promessa de emprego. As condições de trabalho degradantes a que foram submetidos desagradou parte do grupo, que quis voltar. Para isso, exigiam da empresa a devolução da carteira de trabalho apreendida e os direitos trabalhistas garantidos.
O procurador do Trabalho do Ministério Público Marcello Ribeiro Silva disse que as irregularidades encontradas, de imediato, "dizem respeito ao recrutamento do pessoal, que foi feito sem as formalidades legais: a carteira não foi assinada no local da contratação, não houve contrato escrito e não houve garantia de volta sem ônus para o trabalhador".
Para o procurador, todas as irregularidades são passíveis de autuação. "Se a carteira for retida com fins de manter o trabalhador no local de trabalho, é considerado crime, artigo 149 do Código Penal", explicou.
Pelo artigo, restringir "por qualquer meio a locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto" é considerado "condição análoga à de escravo", com pena de reclusão de dois a oito anos e multa.
De acordo com o auditor fiscal do Trabalho Flávio Alexandre Luciano de Azevedo, ainda é cedo para caracterizar a situação encontrada em Rubiataba como trabalho escravo. "Estamos recolhendo o depoimento dos trabalhadores e verificando as condições da empresa. Em princípio, a vinda deles parece irregular".
O trabalhador Nilton Costa Gomes disse que os cortadores não sabem se a carteira está assinada. "Nunca assinamos contrato", denunciou Gomes. "Teve trabalhador que foi mandado embora sem direito a nada e não levou a carteira de trabalho. A gente quer receber nossas carteiras, o seguro-desemprego e os 40% (garantidos por lei) em cima do Fundo de Garantia."
A Usina de Rubiataba tinha que apresentar os documentos exigidos: contratos e recibos de pagamento e de férias. Só então os fiscais poderão avaliar a existência de outras irregularidades. "Trabalho escravo aqui nunca existiu", adiantou o presidente da cooperativa, Onofre Andrade.
"Aliás, nós primamos pela assistência social ao trabalhador. Temos convênio para a alfabetização de trabalhadores e uma escolinha de estudo complementar. Existe realmente uma preocupação social muito grande".
Segundo Andrade, foram os trabalhadores que não quiseram receber as carteiras assinadas e assinar o contrato. "Elas não estão retidas. Os trabalhadores não quiseram receber a carteira e assinar o contrato. Alegaram que o contrato não estava do jeito que queriam e nós não tínhamos um diferente. A providência que tomamos foi fazer uma ocorrência. As carteiras estão todas assinadas."
O presidente da cooperativa contou que há uma Convenção Coletiva de Trabalho, firmada por todos os sindicatos de Goiás, que "proíbe tratar de maneira diferente cada trabalhador". "As condições que o nosso trabalhador recebe, recebe qualquer trabalhador. Não íamos fazer com o pessoal que chegou aí por acaso um contrato privilegiado ou diferente daquilo que estabelece a lei."
Desembolso
O procurador Ribeiro Silva firmou com a empresa um Termo de Ajustamento de Conduta, no qual a Agro Rubim teve que garantir as passagens e alimentação durante o trajeto de volta ao Maranhão e devolver as Carteiras de Trabalho. A empresa também foi obrigada a ajustar o preço pago pelo metro de cana cortada de acordo com o que ganham os demais trabalhadores do estado.
A Agro Rubim foi ainda proibida de continuar descontando dos salários R$ 7 por mês de contribuição sindical. O valor era descontado na folha até mesmo dos trabalhadores que não eram sindicalizados ou que não tinham autorizado o desconto.
Um dos alojamentos em que os trabalhadores moravam foi fechado por falta de higiene e péssimas condições de moradia. O novo alojamento também terá que sofrer ajustes, já que os quartos não possuem armário individual, como manda a lei, lençol nas camas, e só há cinco banheiros para 120 homens.
O relatório dos fiscais do Trabalho será concluído na segunda-feira. Por meio dele, serão definidas outras exigências e autuações as quais a empresa terá que enfrentar na Justiça.
Operação
Um dos casos que levou à denúncia aconteceu com o cortador de cana Sousa Cruz Martins. Em abril deste ano, ele chegou à cidade para trabalhar alimentando as usinas de álcool. Logo adoeceu e precisou fazer uma operação. Martins conta que Tatá, o "gato" - homem que intermedia a vinda dos trabalhadores- cobrou R$ 400 pela cirurgia.
Sem trabalhar, o cortador quis voltar para o Maranhão. Para isso, teria que pagar os R$ 200 que Tatá cobrou pela passagem até Rubiataba, os R$ 400 da operação, a passagem de volta, os remédios e a comida que consumiu. Isso tudo sem poder trabalhar.
Onofre Andrade tenta se defender: "Temos assistência médica ambulatorial, convênio com empresas privadas de saúde e sempre demos assistência ao nosso trabalhador e aos seus assistentes", diz. Os funcionários contam outra versão. "O dono diz que dá assistência pra todo mundo, mas essa assistência eu não tive. Ele me disse que a usina não precisava de doente. Eu tinha todo direito, já que não me encaminharam para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), de ficar pagando meu atestado", afirma Nilton Costa Gomes.
Ele conta que, ao chegar em Rubiataba, o doutor o examinou e disse que tinha que fazer alguns exames. "E que esses exames eu teria que pagar conforme eu começasse a trabalhar. Aí deu que era apendicite. Aí eles disseram que eu teria que ficar parado até me recuperar".
O presidente da cooperativa diz que o caso é um exemplo positivo. "Todos passaram por exames médicos, tanto é que soube hoje que um desses trabalhadores foi vetado para o exercício do trabalho. Isso significa que o nosso quadro de medicina do trabalho é sério, correto e exigente".
Os trabalhadores dizem que o caso foi levado ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rubiataba, mas que o órgão é parceira da usina. "Eles foram para um escritório, conversaram e o Sindicato me falou que a minha situação era essa mesma", diz Nilton Gomes.
Exploração leva à estafa muscular
Ao chegar do canavial, Miguel Barbosa Ferreira sentia o corpo tremer. Sentado, recebia dos companheiros um copo de leite. A tremedeira é resultado de estafa muscular. Conseguiu tirar R$ 67 naquele dia, depois de cortar 343 metros de cana a R$ 0,19 cada. "Eu estava há uns dias parado e tentei forçar pra ver se adiantava um pouco. Comi pouco feijão. A gente força de manhã e não pensa que vai acontecer alguma coisa à tarde", contou.
Ferreira pertencia ao triste grupo dos 700 homens, distribuídos em vários alojamentos, cujo dia-a-dia é acordar com o sol, trabalhar e regressar para o dia seguinte. Conseguiu voltar para o Maranhão, de onde fugiu, há algum tempo, por causa da miséria.
Não existe um mínimo de produtividade exigido, mas também não há um teto. Para tirar um trocado a mais, muitos extrapolam os limites do corpo e chegam exaustos ao final do dia.
Dos que ainda permanecem em Rubiataba, há quem sinta dor nos joelhos e nas costas. Ganham por metro de cana cortada. Se não produzem, não recebem - e não têm o que enviar às famílias.
As leis brasileiras estabelecem um limite máximo de horas trabalhadas. Com relação à intensidade do trabalho, estipula em 60 quilos o máximo de peso que um trabalhador pode carregar. "Mas não é o caso aqui", diz o auditor fiscal Flávio Alexandre de Azevedo, em visita ao local. "A obrigação da empresa é prestar os primeiros socorros e a assistência médica ao trabalhador que sofrer algum problema durante o trabalho", explica.
O auditor afirma que a legislação não é o único mecanismo para melhorar a condição do trabalhador. "Mas a própria atuação do Sindicato, tem que haver espaço para a negociação entre eles e o empregador. A legislação estabelece os limites mínimos que o trabalhador tem direito". (Com Agência Brasil)t
Fonte: Tribuna da Imprensa
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