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31/08/2006 -

As demissões na Volks

Editorial

O Estado de S. Paulo

A decisão da Volkswagen de demitir 1,8 mil funcionários da fábrica de São Bernardo a partir de novembro, quando termina a estabilidade negociada pelo então presidente da CUT e atual ministro do Trabalho, Luís Marinho, e a greve deflagrada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para tentar reverter as demissões são mais um capítulo de uma novela que envolve não só a empresa, mas todo o setor automobilístico. A crise é antiga e não é conseqüência apenas do câmbio sobrevalorizado, mas de vários problemas provocados pela dinâmica de uma economia mundial onde a concorrência é acirrada, há excesso de produção e as empresas têm de reduzir as margens de lucro.

As dificuldades começaram com os choques do petróleo nos anos 70, que obrigaram as montadoras a se desenvolver tecnologicamente para cortar custos. A expansão da microeletrônica lhes permitiu eliminar algumas etapas da produção e informatizar outras. E a renovação do maquinário diminuiu custos fixos e aumentou a produtividade. O setor automobilístico brasileiro não ficou alheio a essas mudanças. Em 1986, ele produzia 1.056.332 veículos e empregava 129.232 trabalhadores - o que dá a média de 8,2 veículos por empregado. Em 1996, produzia 1.804.328 veículos com 101.857 trabalhadores - média de 17,7 veículos por empregado.

O avanço da tecnologia aumentou a flexibilidade operacional das empresas, permitindo-lhes fechar unidades instaladas num país para reabri-las em outro, a fim de obter vantagens comparativas em termos de custos. Graças a isso, as montadoras passaram a transferir unidades para países e cidades onde salários e encargos são mais baixos. A Mercedes e a Volks fecharam fábricas na Alemanha, onde o salário industrial médio é de 27,6/hora, para instalá-las na Hungria e República Checa, com um salário médio de 2/hora. A Renault fechou unidades na França, onde o custo médio por hora de trabalho no setor industrial é de 21, para reabri-las na Espanha, onde esse custo é 50% menor. A alemã Opel fez o

Uma crise de difícil solução que vem se avolumando há longo tempo

mesmo, instalando uma fábrica em Portugal, onde o custo médio por hora trabalhada é de 6,2.

Além de contar com mãode-obra com boa escolaridade e salários menores, os países receptores dessas fábricas reformularam as leis trabalhistas, diminuindo os custos das contratações e demissões e adotando o princípio de que o negociado prevalece sobre o estatuído. Para reter empregos e evitar a migração das montadoras, vários países europeus hoje discutem a reforma trabalhista, a ampliação da jornada de trabalho e a conversão da gratificação de Natal em bônus de produtividade.

No Brasil também houve mudanças. Em 1960, 95% da produção automobilística se concentrava no ABC. Hoje, o índice de participação da região na produção do setor é inferior a 25%. O que levou as montadoras a transferir fábricas para o Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Bahia foi o alto custo de produção no ABC. Nesses Estados, os níveis salariais são mais baixos e os sindicatos, em vez de ter postura confrontacional, como a dos metalúrgicos do ABC, são realistas e afeitos à negociação.

Essa é a origem da quedade-braço entre a Volks e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. A fábrica de São Bernardo é antiga e, apesar das reformas que já sofreu, continua tecnologicamente defasada e com custos fixos altos. Além disso, os benefícios concedidos aos empregados foram negociados quando eram outras as condições da economia. Com isso, a operação da fábrica se tornou cara demais para o volume de veículos produzidos. Somando-se a esses problemas a valorização do real, a Volkswagen, que sofre forte pressão da concorrência internacional, teve de deslocar da unidade do ABC para o México a produção de 8 mil automóveis destinados à exportação.

Neste momento de acirrada disputa pelo mercado globalizado, o embate entre o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a Volkswagen é mais que um conflito trabalhista. A crise envolve um dos mais importantes setores da economia e sua solução depende de reformas estruturais, como a trabalhista e a sindical, que tardam a ser realizadas pelo País.

Fonte: O Estado de S.Paulo